Não sou grande fã de fado, mas tenho de reconhecer que é uma canção peculiar não apenas na temática como na interpretação e não surpreende portanto que esteja, desde 2011, inscrito na Lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade.
O debate sobre a sua origem continua hoje tão aceso como antes. Na verdade, nem sequer me parece relevante tentar encontrar as suas origens pois qualquer género musical é híbrido e resultado de muitas mesclas e interferências e está em permanente ebulição. Acho que ninguém questiona o facto do fado se ter enraizado nas ruelas marginais e multiculturais de Lisboa e estar intimamente ligado a Maria Severa Onofriana (Lisboa, 1820-1846), filha de pai cigano e mãe taberneira, cujas qualidades como “cantadeira” já que ainda não tinha sido criada a palavra “fadista” a levaram a cantar em festas aristocráticas.

50 anos depois da sua morte aos 26 anos, o escritor, diplomático e político português Júlio Dantas (1876-1962) encarregou-se de exaltar a sua lenda com a obra de teatro “A Severa” (1901) que em 1931 é adaptada ao cinema com realização de Leitão de Barros e que não é nem mais nem menos que o primeiro filme sonoro produzido em Portugal. Estava assim criada a relação estreita entre a vida desta intérprete (real ou inventada) e o modo como cantava o fado. Tinha nascido a primeira fadista.
De Lisboa, o fado foi para Coimbra para ser cantado pelos estudantes. Em vez de dois guitarristas (um clássico e outro de guitarra portuguesa) e um intérprete — homem ou mulher, o fado passa a ser cantado só por homens (já que a universidade não permitia a inscrição de mulheres) e, à temática do amores e desamores e condição humana, acrescenta-se a da vida estudantil. A guitarra clássica também ganha destaque e as variações rítmicas e melódicas diferenciam-se. José Afonso inicia a sua carreira como intérprete de fado de Coimbra enquanto estuda naquela cidade na década de 40 e 50. É também durante esse período que Amália Rodrigues se populariza e internacionaliza levando o fado a vários cantos do mundo.
Depois do 25 de Abril, o desejo natural de romper com o passado e, sobretudo com a tradição, relegou o fado para o fundo do armário das velharias e demorou algum tempo até que esta peculiar música voltasse a sair à rua. Em Coimbra, as principais festas académicas (Latada e Queima das Fitas) ajudaram a preservar o fado que ali se desenvolveu e se mantém, fiel aos seus princípios. Em Lisboa, na década de 90 do século XX, o fado voltou a estar na moda, deixou-se influenciar por outros géneros musicais, diversificou-se nos instrumentos usados e nos temas abordados e multiplicaram-se os intérpretes. O fado tradicional de Carlos do Carmo ou Nuno da Câmara Pereira, mais ou menos moderno (Katia Guerreiro, Ricardo Ribeiro e Camané) desdobrou-se em fado experimental (Mísia ou Cristina Branco), contemporâneo (Mariza, Carminho e Gisela João), ou fado-canção (Cuca Roseta) e ganhou, com Dulce Pontes o estatuto de World Music.
A inscrição do Fado na Lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade em 2011 veio reconhecer não apenas a sua importância histórica e cultural, mas também a sua capacidade de se reinventar. Em 2025, o fado é um género musical vivo e dinâmico, que continua a evoluir.