A história de Constância, pequena vila que visitei no fim de semana passado, é um ponto de partida perfeito para explorar as atitudes sociais dos portugueses em relação aos palavrões.

Constância nasceu na confluência dos rios Tejo e Zêzere ou, melhor dizendo, foi edificada no ponto em que o rio Zêzere encontra ou desagua no rio Tejo.  Localizada no distrito de Santarém, a cerca de 130 quilómetros de Lisboa, Constância reclama ter hospedado o jovem Luís de Camões entre 1547 e 1550 ainda que não exista nenhuma prova documental. Outra curiosidade sobre esta localidade é o seu nome. Os Romanos chamaram-lhe Pugna (luta) Tagi (Tejo) não se sabe se porque foi naquele local que se deu uma grande batalha entre Lusitanos e Romanos na qual os últimos saíram vitoriosos ou devido à, em tempos, turbulenta entrada das águas do rio Zêzere no pacífico Tejo. Independentemente da razão porque se chamou assim, Pugna Tagi deu origem a Pugnate e mais tarde a Punhete — nome que muito desagradava à sua população porque se assemelha à palavra que descreve o ato de masturbação masculina. Em 1836, a rainha D. Maria II acedeu o pedido dos habitantes para mudar o nome da sua vila e batizou-a com o nome bastante mais obsequioso de “Constância” possivelmente em reconhecimento da lealdade dos seus habitantes à causa liberal.

A palavra “punheta” pertence ao calão, isto é, faz parte do registo coloquial informal grosseiro e rude do português mas também funciona como um insulto e portanto também é um palavrão. “Ser um punheteiro” descreve alguém que se masturba muito e, consequentemente, uma pessoa excessivamente chata. 

Ainda que legítimo, o pedido dos punheteiros (transformados em constancienses por decreto real) fez-me pensar numa diferença linguística importante que existe entre Portugal e Espanha no que toca o uso dos palavrões. Num blogue anterior, já explicámos como os espanhois abandonaram os “titularice” e adoptaram o “tuteo” para a grande maioria das suas interações sociais. Outra característica da desformalização linguística espanhola é a incorporação de palavrões no discurso corrente fazendo com que essas palavras percam totalmente o seu anterior estatuto de palavrão e passem simplesmente a fazer parte do discurso de toda a gente. Enquanto isso, os Portugueses regressaram à formalidade pré-revolucionária e nunca sequer nos passou pela cabeça incorporar palavrões no registo coloquial informal.

Em Portugal, para além dos registos formal (usado com superiores hierárquicos e desconhecidos) e informal (usado com colegas de trabalho, amigos e familiares em geral e pessoas que conhecemos mal ou com as quais não temos confiança ou à vontade) existe um terceiro modo informal de língua reservado a um grupo muito reduzido de amigos íntimos e especiais, por vezes amigos de copos, com os quais sentimos a liberdade de usar palavrões. 

Não podemos afirmar que os Portugueses simplesmente não usam palavrões mas podemos dizer com segurança que as ocasiões em que os usamos são raras e em círculos muito restritos de pessoas, geralmente da mesma geração que nós e com os quais mantemos relações muito íntimas.

Mesmo entre as camadas da população que mais frequentemente recorrem a um registo muito informal de língua, a tendência é para usar vocábulos que soam ao palavrão, mas não são, como é o caso do “carago” do Portistas mais ferrenhos, isto é os naturais da cidade do Porto que acentuam o seu sotaque portista para se diferenciarem dos demais e reafirmaram a sua identidade regional. 

Outros exemplos seriam o “fosga-se” em lugar de “foda-se” e as variantes “fonix” e “fogo” e o “porra” em  lugar de “merda.”

A preservação de um nível elevado de formalidade e decoro na linguagem é um aspecto cultural muito peculiar dos portugueses, como ilustra a transformação dos punheteiros em constancienses. A relutância em usar palavrões, substituindo-os frequentemente no discurso quotidiano por eufemismos ou vocábulos foneticamente semelhantes à palavra original revelam uma característica distintiva da cultura portuguesa oposta à tendência espanhola de incorporar palavrões no discurso corrente intergeracional. E demonstra, mais uma vez, as diferenças significativas que existem entre as duas culturas ibéricas.