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O primeiro blogue que escrevi foi sobre o Carnaval e hoje regresso ao tema mas sob uma perspectiva mais comparativista tentando perceber como o carnaval viajou de Portugal para o Brasil e voltou bem mais alegre e multicolor.
Como tive ocasião de explicar naquele primeiro blogue, foram as festas pagãs pré-cristãs que celebravam o solstício de inverno ou a passagem do Inverno para a Primavera, o fim dos dias curtos e chuvosos que dão lugar ao sol e à fertilidade da primavera que deram origem ao Carnaval.
No Minho, mais precisamente na aldeia do Lindoso, o enterro do pai velho tem muito provavelmente origens celtas. Em Trás-os-Montes, o carnaval de Podence está diretamente ligado aos rituais agrários pagãos de renovação da natureza e é muito similar a outras festas europeias, como por exemplo o “Masopust” checo. Esta festa, também conhecida como Entrudo Chocalheiro, devido aos chocalhos que os caretos levam presos à cintura e com os quais produzem uma barulheira infernal, foi reconhecida como Património Imaterial da Humanidade em 2019.
Quando a religião católica decidiu alargar o período de preparação para a Páscoa para 40 dias de reflexão espiritual e penitência, permitiu que os seus fiéis cometessem alguns excessos nos dias anteriores à Quaresma e muito particularmente no dia anterior à quarta-feira de cinzas que marca o início das celebrações da Páscoa. As festas desse dia passaram a ser nomeadas como “carnaval” porque assinalava o último dia em que se podia comer carne antes do longo jejum da Quaresma, e essa terça-feira começou a ser conhecida como “gorda”.
Esta festividade sobretudo popular e rural saltou para os salões de festas da nobreza e burguesia na Itália renascentista (século XV e XVI), quando em Veneza e Florença a época se celebra com um baile de máscaras.
Em Portugal, onde se diz que “no carnaval, nada parece mal” houve, durante estas festividades vários excessos, incluindo o assassinato de um nobre, estribeiro-mor do Rei D. João VI no Entrudo de 1824, que levaram as autoridades a refrear os convivas controlando as festividades e proibindo as máscaras.
Do outro lado do Atlântico, realizavam-se, desde 1641, os primeiros bailes carnavalescos mas estavam reservados à nobreza e alta burguesia do país. Quando se aboliu a escravatura naquele país em 1888, muitos ex-escravos de origem africana migraram para o Rio de Janeiro, levando consigo suas tradições míticas e culturais, os seus instrumentos de percussão e as suas danças. Para celebrar a sua cultura e acompanhar os seus rituais religiosos, desenvolveram um estilo musical acompanhado de danças. Desconsiderado ao início devido às suas raízes africanas, este novo género musical foi ganhando prestígio na segunda década do século XX quando surgiram as primeiras escolas de samba e desfiles de rua. O samba transformou-se na banda sonora por excelência das festividades carnavalescas do Rio de Janeiro. O Carnaval instituiu-se definitivamente como cortejo popular de rua na segunda metade daquele século, os desfiles das escolas de samba com centenas de músicos e dançarinos elaboradamente vestidos tornaram-se tão espetaculares que foi necessário construir um sambódromo — o que aconteceu em 1984.
No início do século XX, em Portugal, as tradições carnavalescas eram sobretudo localizadas perpetuando velhas tradições pagãs e estavam em declínio.
Em 1906, em Loulé, um grupo de pessoas decidiu substituir os festejos de carnaval descoordenados e frequentemente pouco civilizados numa festa de três dias que incluía uma batalha de flores (de papel). O tema deste “primeiro” carnaval foi “Paz, Amor e Carinho” e foi necessário explicar à população que esta seria uma celebração realizada num ambiente de respeito e civismo. Desde então, o Carnaval de Loulé passou a abordar temas diferentes a cada ano, geralmente relacionados à sociedade, questões políticas ou acontecimentos importantes, sempre com críticas bem-humoradas. O sucesso desta festa, deu origem a outras, nas cidades de Torres Vedras (1923), Ovar (1952) e, já na década de 80 e com objetivos de promoção turística da região fora da época alta, o carnaval do Funchal, na ilha da Madeira. Para além da forte sátira político-social dos carros alegóricos, estas festas incorporaram também desfiles de escolas de samba, e outros elementos mais tradicionais como os gigantones e cabeçudos — bonecos de corpo inteiro com 3-4 metros de altura ou simples cabeças de dimensões enormes que satirizam figuras públicas conhecidas acompanhados de bandas musicais conhecidas como Zés Pereiras.
O Carnaval de Torres Vedras — supostamente “o mais português de Portugal” é também famoso pelas suas matrafonas ou homens vestidos de mulher. E o Carnaval do Funchal inclui ainda o cortejo trapalhão, no qual grupos e populares disfarçam-se de figuras públicas para ridicularizar os políticos.
O Carnaval no Brasil e em Portugal compartilham a mesma raiz histórica mas uma distinção muito importante: o clima. Enquanto no Brasil esta festa se realiza no final do Verão — o que justifica os trajes e as celebrações ao ar livre, em Portugal o Inverno ainda não terminou, está frequentemente um frio de rachar e os cortejos são, por vezes, reagendados por causa do mau tempo, até em regiões mais temperadas como a Madeira.
Esta festa pagã adotada pelo cristianismo para suavizar a Quaresma foi ao Brasil buscar o samba e regressou a Portugal onde reincorporou as tradições nacionais. A história do Carnaval é, afinal, uma história de intercâmbio cultural entre Portugal e Brasil passando pela África e uma prova de como as tradições podem ser reinventadas e, sobretudo, enriquecidas.