97. ZÉ POVINHO

Como fazer referência a alguém de forma anónima.

Os apelidos ou sobrenomes mais frequentes em Portugal são Silva e Santos e, por isso, falar dos Silvas ou dos Santos deste país seria equivalente a mencionar ou fazer referência a um grande número de pessoas nascidas neste pequeno retângulo “à beira mar plantado.” No entanto, quando um falante pretende descrever uma pessoa qualquer ou fazer referência a um desconhecido, a expressão mais frequentemente usada é: fulano, sicrano e beltrano.

Enquanto que a palavra fulano tem origem na língua árabe, desconhece-se a origem do léxico sicrano, mas pensa-se que, tal como beltrano, chegaram ao Português através do espanhol.

Quando não desejamos identificar um determinado sujeito, substituímos a referência ao seu nome próprio ou de família por uma destas palavras. Fulano, sicrano e beltrano são habitualmente capitalizados respeitando dessa forma a regra ortográfica da língua que obriga a escrever em maiúsculas a primeira letra do nome próprio e de família de um indivíduo. Dois exemplos de uso seriam:

Com este Fulano à solta, as pessoas não podem estar tranquilas.

Não me interessa se o presidente do júri é Fulano ou Beltrano, interessa-me que seja neutro e imparcial.

As mesmas palavras podem também ser usadas para mencionar uma qualquer pessoa ou um membro da sociedade de tal forma comum que deixa de se distinguir dos demais e se torna — desse modo — anónimo ou incógnito. Nestes casos, as palavras surgem em letra pequena ou minúscula pois não estão a tomar o lugar de um nome como no seguinte exemplo:

Quem sou eu para dizer o que fulano, beltrano ou sicrano devem fazer?

Nesta frase, o idiomatismo fulano, sicrano e beltrano tem exatamente o mesmo significado de Zé Ninguém como prova a sua substituição:

Quem sou eu para dizer o que deve fazer o Zé Ninguém?
ou
Quem sou eu para dizer o que é que Zé Ninguém deve fazer?

Outra expressão que, em Portugal, descreve os homens e as mulheres comuns é Zé Povinho.

Na verdade, o Zé Povinho é uma personagem criada pelo cartoonista Rafael Bordalo Pinheiro (Portugal, 1846-1905) e publicada pela primeira vez a 12 de junho de 1875 que pretendia representar o povo português da altura. O sucesso da personagem foi instantâneo e de tal forma duradouro que, no século XXI, continua a ser reconhecida e referenciada como prova o seguinte título de artigo do jornal Observador publicado a 5 de maio de 2017:

O Zé Povinho e a Moody’s não fazem as pazes tão cedo.

Antes de terminar gostaríamos de sublinhar que fulando, beltrano e sicrano Zé Ninguém são — como já explicámos — expressões com um significado semelhante pois tudo o que pretendem descrever é o anonimato. A referência à personagem Zé Povinho é igualmente usada para anonimizar ou tornar anónimo ou incógnito uma determinada pessoa ou, muito mais recorrentemente, um grupo de pessoas. Note-se, no entanto, que Zé Povinho descreve apenas uma parte do povo português: a classe média e baixa, menos privilegiada que os demais cidadãos como podemos ver nos seguintes exemplos:

Isto não passa de uma palhaçada para enganar o Zé Povinho.

As petrolíferas, às vezes, pensam que o Zé Povinho não sabe fazer contas.

Na primeira frase Zé Povinho pode interpretar-se como sendo os portugueses menos atentos ou informados e na segunda as pessoas com menos recurso financeiros que se sentem injustiçadas com o preços das gasolineiras.
 

OUTRAS EXPRESSÕES MENCIONADAS
fulando, beltrano e sicrano

ser um Zé Ninguém

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