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A palavra “você” é bastante curiosa não apenas porque é usada de forma muito distinta nas variedades de Português do Brasil e Europeu (ver blogue anterior) mas sobretudo porque é um pequeno vocábulo que os portugueses evitam a todo o custo para — à boa maneira portuguesa — não ferir nenhuma suscetibilidade. Para evitar mal-entendidos e se adaptar melhor ao contexto cultural português é fundamental entender essas nuances.
Ao contrário dos ingleses e espanhóis que há muito “desformalizaram” as suas formas de tratamento, abandonaram os títulos e abraçaram o “tu” para 99% das sua interações sociais (reservo o 1% para aqueles súditos que têm de lidar com as famílias reais), os portugueses estão cada vez mais agarrados aos seus títulos e à terceira pessoa do singular. Muito pouca gente se trata por “tu” e jamais nos dirigimos a um desconhecido desse modo.
Na segunda décado do século XXI, continuamos a preferir não usar a palavra “você” como atesta esta crónica de Lira Neto, escritor brasileiro residente em Portugal.
Para além de aprender as duas pessoas verbais: “tu” e “você”, os estudantes de Português Europeu têm de estar conscientes de que, ao contrário do que acontece no Brasil, o uso da palavra “você” é tido como “inapropriado” e, consequentemente, apenas utilizado in extremis quando todos os outros recursos estão esgotados.
Nas circunstâncias em que necessitamos de falar com um superior hierárquico utilizamos o seu título universitário (Dr., Eng. Arq.) ou posto (Sr. Diretor, Sr. Professor). E nos casos em que desconhecemos os seus títulos: “o senhor” ou “a senhora” ou, para mulheres mais velhas e sem estudos universitários “dona”.
Quando as pessoas se conhecem bem (ou melhor) e se relacionam diariamente, o nível de formalidade desce ligeiramente e em substituição de um título, os Portugueses usam um artigo definido (o/a) antes do nome pessoal. Eis um diálogo possível entre dois colegas de trabalho:
— Boa tarde. Espero que a Maria se encontre bem.
— Boa tarde. Estou muito bem, obrigada. E o Manel, como está?
— Gostaria de discutir consigo o projeto que estamos a desenvolver. A Maria tem 10 minutos para falar comigo?
— Infelizmente, agora não posso. O Manel está livre amanhã às 15h?
Porque é que, em Portugal, desdenhamos de tal forma a palavra “você” que a evitamos a todo o custo a ponto de nos dirigimos uns aos outros como se estivéssemos a falar de uma terceira pessoa?
A palavra “você” deriva de “vossa mercê” e considerando a frequência de uso desta forma de tratamento não espanta que rapidamente tenha passado a “vosmecê” e daí a “você”. Este processo de formação de novas palavras, conhecido como aglutinação, é exatamente o mesmo da palavra “setor/a” que mescla ou aglutina as palavras “senhor/a” e “doutor/a”.
Alguns grupos sociai, como o deste professor universitário na reforma, veem esta pequena palavra como uma deturpação linguística e decidiram eliminá-la dos seus socioletos e os demais portugueses — achando que era fino falar como aquelas pessoas — decidiram seguir-lhes o exemplo e deixaram de usar a palavra “você” nas suas interações sociais.
Enquanto outras línguas tendem para uma simplificação das formas de tratamento, o português europeu mantém um sistema complexo excessivamente preocupado com hierarquias sociais, respeito e formalidade que os aprendentes podem não dominar mas precisam de compreender.