A expressão desta semana, pior a emenda que o soneto, pode ter duas interpretações, não é?
Pessoalmente, acho que sim. Por um lado, pode sugerir que as correções ou emendas que fazemos em vez de trazer benefícios vêm prejudicar o original. Em 2012, houve um caso de uma senhora espanhola que tentou restaurar uma obra do século XIX e o resultado final foi desastroso. Numa situação destas podemos dizer que foi pior a emenda que o soneto — apesar das intenções da senhora terem sido as melhores…
Lá diz o velho ditado que de boas intenções está o inferno cheio e é bem verdade.
Essa expressão também é muito interessante. Tal como ilustra o uso que lhe acabas de dar, o provérbio pretende sublinhar o facto de muitas vezes uma ação que, à primeira vista, podia parecer benéfica prejudicou todas ou algumas das pessoas envolvidas e, consequentemente, deixou mal-vista a pessoa que tomou a iniciativa.
De acordo com a ideologia católica as pessoas que comentem erros são, depois da sua morte, castigadas indo viver para o inferno em vez de serem recebidas no paraíso. Nesta máxima popular está implícito que a pessoa acabou por ser condenada a viver no inferno pois apesar da sua intenção ter sido boa, o resultado final foi desastroso ou prejudicial para os demais.
Voltado à frase ou sentença desta semana, o segundo significado é não existir emenda que valha a um original de fraca qualidade ou melhor dizendo o original é tão mau, tão mau que não existe forma de o melhorar e qualquer sugestão de correção que se possa fazer apenas servirá para piorar o mal que já está feito.
Não existe consenso sobre a origem desta expressão já que para cada significado existe uma história diferente. Aqueles que acham que a expressão quer descrever um original de tão fraca qualidade que não há emenda que o possa melhor evocam um episódio que aconteceu ao poeta português Bocage.
Parece que uma aspirante a escritor pediu a Bocage que corrigisse um dos seus sonetos, mas na opinião de Bocage o soneto era de tão má qualidade que não existia nenhuma maneira de o melhorar e por isso o devolveu ao seu autor sem uma única revisão ou correção.
Aqueles que acham que o provérbio quer descrever os casos em que as correções feitas destroem em vez de melhorar o original defendem que a origem da expressão remonta ao século XV e a outro poeta português, Sá de Miranda que introduziu em Portugal os poemas com duas estrofes de quatro versos (quartetos) e duas estrofes de três versos (tercetos) ou sonetos.
Nessa versão da história achava-se que depois do soneto estar feito não se devia incluir nenhuma correção pois corria-se o risco de destruir a estrutura do poema, a sua métrica e o seu ritmo.
Sob essa perspetiva a emenda introduzida apenas piorava o soneto original.
Agora que está explicada a origem da expressão, vamos dar exemplos de uso.
— Eu queria ajudar o Miguel com o trabalho de casa dele mas foi pior a emenda que o soneto.
— Porquê?
— Nenhum dos exercícios que eu lhe ensinei a fazer estavam certos…
— Como a minha sogra cozinha muito mal e deixa tudo insosso, eu decidi acrescentar mais sal mas enganei-me troquei o frasco do sal pelo frasco da pimenta e ficou super picante.
— Pior a emenda que o soneto pois sal dava para acrescentar no prato mas contra o picante não há nada a fazer.
BIBLIOGRAFIA
Marinheiro, Carlos. É pior a emenda que o soneto. Ciberdúvidas. 13.11.2000 — consultado a 12 de abril de 2017
OUTRAS EXPRESSÕES MENCIONADAS
de boas intenções está o inferno cheio
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