Hoje vamos desviarmo-nos um pouco dos provérbios e expressões idiomáticas. Vamos falar de bengalas linguísticas?
“Bengala linguística” — o que é isso????
Tal qual como na vida real uma bengala ou um bordão serve para nos ajudar a andar, uma “bengala linguística” é uma palavra ou expressão sem nenhum significado que usamos para reforçar a interação com o nosso interlocutor ou audiência ou encher os momentos de pausa que fazemos enquanto pensamos no que vamos dizer a seguir…
Todas as línguas apresentam bengalas linguísticas — também denominadas como “bordões linguísticos” que acontecem quase exclusivamente durante a interação oral. Algumas destas bengalas são apenas sons como, por exemplo, quando dizemos “hã,” “eh,” “oh” ou “hummm” enquanto procuramos a palavra que necessitamos ou formulamos a frase que queremos dizer a seguir.
Ah! Já percebi. Outras bengalas linguísticas são, por exemplo, dizer “okay” ou “não é” no final de uma frase não porque queremos ouvir a opinião do nosso interlocutor sobre o assunto de que estamos a falar mas simplesmente para manter a sua atenção. Outro exemplo deste tipo de estratégia, desta vez usada pelo ouvinte é dizer “hum-hum” para certificar a pessoa que está a falar que está a seguir com interesse o discurso proferido. As palavras “pá” e “pronto” e as expressões “quer dizer” e “a questão é” são outros bordões linguísticos usados para preencher as pausas que naturalmente acontecem no discurso.
Isso mesmo. Curiosamente estas bengalas vão e vêm de acordo com a moda do momento. Em Portugal, durante os anos 70 era comum ouvir-se a palavra “pá.” Nos anos 80, “pá” foi substituído por “fogo” sobretudo entre os adolescentes. Depois houve a fase do “pronto” que muitas pessoas pronunciavam incorretamente como “prontos.”
E ainda existem bengalas que são idiossincráticas ou peculiares a uma determinada pessoa. Quando eu andava no liceu, tinha uma professora que estava sempre a dizer “sim, senhora.” Ela tratava todos os alunos por tu, mas quando queria encorajar os estudantes pela resposta correta que acabavam de dar, ela dizia: “sim, senhora, muito bem!” ou “Corretíssimo, sim, senhora.” E usava sempre “senhora,” independentemente do género do aluno a que se estava a dirigir. Era a bengala linguística dela. De tal maneira que ficou conhecida no colégio como a professora “sim-senhora.” Era a alcunha dela ou, como vocês dizem no Brasil, o apelido que os alunos inventaram para se referirem a ela sem usar o seu nome.
Acho que já percebeste perfeitamente o que é um bordão ou bengala linguística. Conheces mais alguns exemplos desse tipo de palavra?
Conheço! A palavra “lá” usada em frases como:
Faz-me lá esse favor
Leva-me lá esta caixa, s.f.f.
Digam-me lá, quanto é que devo pagar
Conta-me lá o que é que aconteceu no sábado entre o Pedro e a Inês.
Já que és tão inteligente, explica-me lá como é que se faz esta equação…
Excelente exemplo! Os advérbios de lugar “lá” e “cá” são frequentemente usados com valor expletivo.
Formas expletivas são aquelas que, sem acrescentar qualquer informação relevante à mensagem, expandem o discurso. Para além desses advérbios, a expressão “é que” também é usada dessa maneira. Queres dar mais alguns exemplos?
Quero! Mas também gostava de convidar os nossos ouvintes a enviarem-nos exemplos que eles usem ou tenham encontrado. Podem fazê-lo enviando uma mensagem para o nosso portal ou, preferencialmente, inserindo um comentário na pagina deste podcast.
Boa ideia! Entretanto deixamos aqui mais uns quantos exemplos:
Eu sei lá o que é que ele quis dizer!!!!!
Olha lá, não vês que me estás a pisar? És parva ou quê?
Isto é que foi uma jantarada!!!!!! Comi que nem um abade!
Durante uns tempos achou-se que as startups é que iriam resolver o problema do desemprego.
Ele mente com os dentes todos!!!!!! Saiu-me cá um mentiroso!!!!!
As notícias falsas tiveram cá um impacto nas eleições americanas que outros países começaram a adotar medidas de prevenção.
Eh pá, não tenho dinheiro! Achas que me podes emprestar algum, pá? Seria simpático, pá e desenrascavas-me, pá.
Que exagero de pás! Ninguém fala assim!
Tens razão, foi só para reforçar a ideia na inutilidade dos bordões linguísticos. Também seria interessante apresentarmos exemplos de bengalas linguísticas usadas no Brasil.
Alguns bordões usados na minha terra são o som ué e as palavras olha que vocês também usam em Portugal sobretudo para chamar a atenção de alguém, vê ou viu e ainda credo que por vezes parece como cruz-credo. Eis alguns exemplos de uso:
— O João perdeu o trabalho.
—Vê!! Eu avisei.
— Ouvi dizer que o Pedro comprou um carro novo.
— Comprou??? Olha!! Com que dinheiro???
— Sei lá eu.
— O Carlos está enrabichado pela Letícia.
— Credo!! Ele que largue mão dela pois ela não quer nada com ele.
— Ué, é problema dele.
— A Ana vai dar uma festa e me convidou.
— Ué!! você vai a casa dessa megera???
— Vou sim senhora porque a festa dela vai ser de arromba!
— Cruz-credo!!
Falta apenas dar um exemplo de uma expressão usada no Brasil que até já foi título de série de TV e filme: ó pai ó
— Viu?!?!?! Andam dizendo que a sua irmã está grávida!!
— Ué, eu é que sei??? Ó pai ó!!
OUTRAS EXPRESSÕES MENCIONADAS
comer que nem um abade
mentir com os dentes todos
& BENGALAS LINGUÍSTICAS
cá
é que
[eh] pá
vê / olha
credo / cruz-credo
ué
ó pai ó
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