Eu sou a favor do acordo ortográfico! Acho, inclusivamente, que este acordo é fundamental para a sobrevivência do Português como uma das línguas mais faladas do mundo!

Há quem diga que os portugueses estão a querer impor a sua norma linguística aos demais países de língua oficial portuguesa. Na minha opinião, o acordo não pretende alterar a ortografia para nos entendermos melhor. Pretende apenas consciencializar todos os falantes para uma convergência que permita manter o Português como uma das línguas mais faladas do planeta Terra. Se os falantes de Português não fizerem um esforço para construir uma ortografia uniformizada, no futuro iremos ter duas ou três ou mais línguas independentes com raízes no galego-português e, nenhuma delas terá a pujança que o Português (como língua falada três continentes por sete países) tem. O Português Europeu será — se sobreviver — uma língua mais que minoritária, cujos falantes terão de ser obrigatoriamente bilingues noutra língua e que muito pouca gente deseja aprender, como acontece hoje com línguas como o dinamarquês e o holandês.

Há também quem defenda que não deve existir nenhum acordo porque os falantes de outras línguas não fazem acordos. Os falantes de inglês não fazem acordos entre si pois têm o privilégio da sua língua ser a língua franca do mundo inteiro e dos países onde se fala inglês como língua materna serem países desenvolvidos com boas redes escolares e uma literatura de renome e importância global! Se olharmos para línguas com características mais próximas da nossa como o Espanhol e o Francês, os seus falantes não assinaram nenhum acordo ortográfico porque há muito que têm uma Academia que toma decisões sobre a língua escrita, uniformizando-a. Portugal nunca teve uma instituição dedicada exclusivamente à defesa e promoção da Língua Portuguesa e é por isso que um acordo, bem feito, é importante.

A história da uniformização da língua é feita de paços incipientes, retrocessos e sobretudo de desacordos entre Portugal e Brasil. Os políticos que nos anos 80 decidiram que era necessário uma política linguística convergente estavam corretos. Infelizmente, o acordo ortográfico de 1990 que saiu dessa decisão política apresentava mais exceções do que regras e decisões tão injustificáveis como a eliminação do trema dos grupos consonânticos |gu| e |qu| nos quais a vogal não é muda. A contestação dos dois lados do Atlântico que esse acordo teve foi merecida e ajuda a explicar porque existe tanta gente que se recusa adotá-lo.

Demorou quase 20 anos até a Academia de Ciências aprovar o documento Sugestões para o Aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (26.01.2017), que não pretende rejeitar a nova ortografia, mas antes “aprimorar as novas regras ortográficas e retocar determinados pontos para fixar a nomenclatura do Vocabulário e do Dicionário da Academia” e é — supostamente — “um contributo sobre algumas seis [sic] particularidades e subtilezas da língua portuguesa que não podem ser ignoradas em resultado de um excesso de simplificação.” E o debate continua deste lado do Atlântico. Pois do outro, já nem sequer nos compreendem de tanto que a sua língua se foi desenvolvendo e afastando da variedade do Português Europeu.

Por mim, e como professora de PLE, gostava que existisse um acordo entre todos os países de língua oficial portuguesa para que seja mais fácil ensinar a ortografia e possamos deixar para trás a confusão ortográfica do pré- e pós-acordo. Pois tal como Fernando Pessoa defende, o pior não é quem adota a grafia simplificada (do acordo de 1945 ao qual ele nunca aderiu) mas sim quempura e simplesmente escreve mal. Termino transcrevendo o excerto do texto pessoano na ortografia original:

Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua
portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente. Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse. Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m’a do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.

 

Referências

Academia revê Acordo ortográfico in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/artigos/rubricas/acordo/academia-das-ciencias-reve-acordo-ortografico-da-lingua-portuguesa/3482 [consultado em 06-09-2021]

Minha patria é a lingua portuguesa [excerto] in Livro do Desassossego de Bernardo Soares, ed. de Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Ática, 1982 vol. I, págs. 16-17